Teorema de Nielsen–Schreier

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O Teorema de Nielsen-Schreier é um importante resultado da Teoria dos Grupos que demonstra que todo subgrupo de um grupo livre é livre sobre algum conjunto.

Conjuntos fechados por prefixos

Seja F=F(X) um grupo livre sobre o conjunto X. Um subconjunto A de F(X) será dito fechado por prefixos quando para toda palavra w=a1a2arA, aiXX1, reduzida como escrita, temos a1ar1A. Note que um subconjunto fechado por prefixos necessariamente contém a palavra vazia 1. (É verdade que o grupo livre é construído como o conjunto de classes de equivalência de palavras, mas é natural identificar uma classe com o único elemento em forma reduzida que contém.)

Transversais de Schreier

Se H é um subgrupo do grupo livre F(X), uma transversal à direita de H em F(X) será dita transversal de Schreier quando for um subconjunto fechado por prefixos. É um fato que, dado um subgrupo de um grupo livre, existe uma transversal de Schreier correspondente.

O enunciado

Teorema. (Nielsen-Schreier)[1][2][3]

Seja F=F(X) um grupo livre sobre o conjunto X e seja HF. Fixe uma transversal à direita 𝒯 para H em F e, dado um elemento wF, seja w o único elemento de 𝒯 tal que ww1H. Assuma-se que 1=1. Então

  • O subgrupo H é gerado pelo conjunto {(tx)(tx)1t𝒯,xX}.

A cada elemento não-idêntico do conjunto dos (tx)(tx)1, t𝒯,xX, associe um símbolo yt,x e forme o conjunto Y={yt,x}.

  • Se a transversal 𝒯 for uma transversal de Schreier, o epimorfismo α:F(Y)H que estende yt,x(tx)(tx)1 é um isomorfismo. Em outras palavras, o (sub)grupo H é livre, livremente gerado por Yα. Vale também que H tem posto rankF(Y)=cardY=(cardX)[F:H][F:H]+1.

A substância do Teorema está no segundo item. Com efeito, o que se afirma no primeiro item independe da liberdade do grupo em questão. Temos então a seguinte

Afirmação. Seja G um grupo gerado pelo subconjunto S. Se HG e é uma transversal à direita para H em G com 1=1, então H=rs(rs)1r,sS.

Para ver por que a afirmação segue, note-se primeiro que rs1(rs1)1=rsr1=(rs)rs1rsr1=(rs)rs1, pois rs=r se r=rs1. Portanto se s1ϵ1s2ϵ2srϵrH, podemos realizar o seguinte malabarismo simbólico: s1ϵ1s2ϵ2s3ϵ3=(s1ϵ1s1ϵ11)(s1ϵ1s2ϵ2s1ϵ1s2ϵ21)(s1ϵ1s2ϵ2s3ϵ3s1ϵ1s2ϵ2s3ϵ31)s1ϵ1s2ϵ2s3ϵ3

Continuando, obtemos s1ϵ1s2ϵ2srϵr=av, onde a está no subgrupo gerado proposto e v. Como o subgrupo gerado claramente é subgrupo de H, temos vH, donde v=1, finalizando o argumento. Como corolário, obtemos que são finitamente gerados subgrupos de índice finito de grupos finitamente gerados; além disso, o número mínimo de geradores de tal subgrupo é majorado pelo produto de seu índice pelo número mínimo de geradores do grupo que o contém.

Note que, em geral, para uma transversal T com 1=hH, temos a transversal h1T na qual 1=1; claramente g=h1g (barras duplas evidentemente se referem à nova transversal). Logo o conjunto gerador obtido nas considerações anteriores torna-se {h1(tx)(tx)1htT,xX}.

O Teorema de Schreier-Reidemeister

O Teorema de Nielsen-Schreier permite exibir uma apresentação de um subgrupo a partir de uma para o grupo que o contém. Para isso, temos o seguinte

Teorema. (Schreier-Reidemeister)

Seja G o grupo apresentado XR, isto é, G=F(X)/RF(X), o subgrupo pelo qual estamos fatorando sendo o fecho normal do subgrupo gerado pelo conjunto RF(X) de relatores. Seja H um subgrupo de G e seja K a pré-imagem de H em F(X). Se θ:KF(W) é um isomorfismo de K com o grupo livre sobre o conjunto W e se T é uma transversal qualquer de K em F(X), então temos a apresentação HWS, onde o conjunto S de relatores é S={(trt1)θtT,rR}.

A demonstração é imediata pois temos a igualdade entre fechos normais RF=tRt1tTK.

É também imediato o seguinte

Corolário. São finitamente apresentáveis subgrupos de grupos finitamente apresentáveis que possuem índice finito.

Haja vista que o índice da pré-imagem será finito, implicando que o será também o posto da pré-imagem como grupo livre; além disso, cardS[G:H](cardR).

Um critério para infinitude

O objetivo nesta seção é provar o seguinte

Teorema. Seja Gx1,x2,,xrw1m1,w2m2,,wsms. Suponha que i=1s1mir1. Se houver um grupo P e um epimorfismo θ:GP tal que a ordem do elemento wiθP é precisamente mi, então o grupo G é infinito.

Começaremos com um

Lema. Se G tem apresentação GXR, com X,R conjuntos finitos e cardX>cardR, então a abelianização Gab=G/[G,G] possui infinitos elementos. Em particular, G é um grupo infinito.

Prova. Seja X={x1,,xn}, cardX=n. Passando para a abelianização e adotando a notação aditiva, podemos ver os relatores em R como polinômios homogêneos de grau 1 em [x1,,xn] — de fato, em [x1,,xn]. Por exemplo, o relator x13x21x37x12x4 deve corresponder ao polinômio 3x1x2+7x32x1+x4=x1x2+7x3+x4. É fato elementar da Álgebra Linear que existe um elemento em (×××){0} que anula todo elemento de R (heurística: há mais incógnitas do que equações); existe, pois, um elemento em n{0} que anula todo elemento de R (multiplique a solução anterior por um inteiro adequado). Escolha uma solução w=(w1,,wn)n{0}, digamos, com w10. O Teorema de von Dyck garante então que a associação xiwi estende-se a um homomorfismo ψ:Gab. Possuindo Gab uma imagem homomorfa infinita, uma vez que w1Imψ, segue o Lema.

Prova do Teorema. Se P for infinito, não há nada a fazer. Suponha então P finito de ordem n, de forma que H=Kerθ tem índice finito n em G. Seja KF(X) a pré-imagem de H no grupo livre sobre X, F/KG/HP. Por Nielsen-Schreier, podemos escolher um isomorfismo β:KF(Y), cardY=n(r1)+1. Por Schreier-Reidemeister, temos HY|(awimia1)β,i=1,2,,s,aA, o conjunto A sendo uma transversal à direita fixa para K em F(X). Para cada i=1,2,,s temos n relatores. A ideia principal da demonstração é encontrar relatores redundantes, de modo que o Lema venha à mão. Fá-lo-emos do seguinte modo: escolha um elemento da transversal, digamos a0A. Note que as classes Ka0,Ka0w1,Ka0w12,,Ka0w1m11 são duas a duas distintas: caso não fossem, teríamos Ka0w1=Ka0 para algum 0<<m1. Por normalidade de K, ter-se-ia w1K, donde, em G, w1H, isto é, (w1θ)=1 — absurdo pois a ordem de w1θ é m1. Temos então m1 elementos de A, a0,a0w1,a0w12,,a0w1m11. Agora a0w1νw1m1a0w1ν1=a0w1ν(a0w1ν)1(a0w1ν)w1m1(a0w1ν)1(a0w1ν)a0w1ν1=uν(a0w1m1a01)uν1 para algum uK. Daí, os m1 relatores oriundos de tais elementos da transversal são mutuamente conjugados, logo, destes, precisamos de apenas um. Escolhendo um elemento da transversal diferente daqueles já obtidos, podemos repetir o argumento até a exaustão dos n relatores. Vê-se facilmente agora que são necessários apenas n/m1 dos relatores iniciais. Isso claramente se repete para i=2,,s. Portanto, H tem uma apresentação com n(r1)+1 geradores e (n/m1)+(n/m2)++(n/ms)=ni=1s1mi relatores. Por hipótese, o número de geradores excede o número de relatores; apelando ao Lema, temos H infinito, finalizando a demonstração.

Exemplo. O grupo x,yx4,y8,(xy)6 é infinito. Temos 14+18+161. Considere as permutações π1=(1,2,3,4),π2=(1,2,3,4,5,6,7,8),π1π2=(1,3,5,6,7,8)(2,4) e escolha P=π1,π2. Em geral, o grupo D(l,m,n)=x,yxl,ym,(xy)n, intimamente relacionado com certas tesselações triangulares de planos (no sentido amplo de geometrias Euclidianas ou não), é infinito se, e somente se, 1l+1m+1n1. É possível mostrar que, dada uma tripla (l,m,n) de inteiros maiores que 1, existem elementos γ,δ do grupo PSL(2,) das transformações fracionais lineares do plano complexo estendido ~={}, tais que ord(γ)=l, ord(δ)=m, ord(γδ)=n. Por outro lado, as únicas triplas daquela forma satisfazendo 1l+1m+1n>1 são (2,2,n), (2,3,3), (2,3,4), (2,3,5). No primeiro caso, vê-se facilmente que se trata de um grupo diedral D2n. Nos casos restantes, temos, respectivamente, Alt(4), Sym(4), Alt(5). Considere as permutações σ=(1,2,3), τ=(2,4)(3,5), στ=(1,4,2,5,3). Note que στστ=(4,2,3), α:=τστστ=(3,5,4) e τ,α(Alt(5))1=Stab(1)Alt(4). Em τ,α, temos τ,τα=(2,4)(3,5),(2,3)(5,4)C2×C2; além disso as classes τ,τα,τ,ταα,τ,ταα2 são duas a duas distintas e esgotam o espaço de classes modτ,τα, logo |τ,α|=12. Como 5 e 12 dividem a ordem de σ,τAlt(5), temos a igualdade. Usando ideias similares, mas em D(2,3,3), prova-se que D(2,3,3) é finito de ordem no máximo 12; portanto, xτ,yα é um isomorfismo D(2,3,3)Alt(4). Em D(2,3,5) há um subgrupo que é uma imagem homomorfa de D(2,3,3), portanto é finito de ordem no máximo 12. Usando as potências de xy como representantes de classes módulo tal subgrupo, mostra-se que D(2,3,5) é finito de ordem no máximo 125=60, permitindo-nos concluir que xτ,yσ é um isomorfismo D(2,3,5)Alt(5). Ideias inteiramente análogas mostram que x(1,4), y(1,2,3) é um isomorfismo D(2,3,4)Sym(4).

Um último exemplo

Seja G=x,yx3,y3,(xy)3 e H=x1y,yx1G. Afirmo que H é um grupo Abeliano livre de posto 2, isto é, H. Primeiro, temos [G:H]=3. De fato, HG, já que xyx=(yx1)1(x1y)1H e yxy=(yx1)(x1y)H; logo, o quociente G/H tem apresentação x,yx3,y3,(xy)3,x1y,yx1xx3/3.

Seja K a imagem inversa de H em F=F{x,y} (usar-se-á o mesmo símbolo para denotar um elemento de F e sua imagem em G; esperadamente, não haverá confusão). Temos a transversal de Schreier 𝒮={1,x,x2}F para K. Pelo Teorema de Nielsen-Schreier, KF{a,b,c,d} é livre de posto 4=233+1, com a associação ax3,byx1,cxyx2,dx2y (estendendo-se a) um isomorfismo cuja inversa será denotada por δ:KF{a,b,c,d}. Calculando, temos (x3)δ=a, (y3)δ=((yx1)(xyx2)(x2y))δ=bcd,((xy)3)δ=((xyx2)(x3)(yx1)(x2y))δ=cabd,(xy3x1)δ=((yx1)x1(xyx2)x1(x2y)x1)δ=(c)(da1)(ab)=cdb, (x(xy)3x1)δ=((x2y)(xyx2)(x3)(yx1))δ=dcab, (x2y3x2)δ=((x2y)(yx1)(xyx2))δ=dbc, (x2(xy)3x2)δ=(x3(yx1)(x2y)(xyx2))δ=abdc. Note que os elementos de F{a,b,c,d} obtidos de comprimento 4 são permutações cíclicas uns dos outros, portanto são conjugados, logo constituem um conjunto de relatores redundantes, dos quais precisamos de apenas um; o mesmo vale para aqueles de comprimento 3. O gerador a some. Temos daí que Hb,c,dbcd,bdc. Finalmente, bc,d e [c,d]=1; agora é fácil estabelecer, por exemplo, via Teorema de Von Dyck, um isomorfismo Hc,d[c,d]. Isso prova a afirmação inicial. Note que como subproduto desses argumentos, obtemos G como um produto semidireto (2)(/3).


Referências