Teorema de Liouville–Arnold

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Na teoria dos sistemas dinâmicos, o teorema de Liouville–Arnold estabelece que se, em um sistema Hamiltoniano dinâmico com n graus de liberdade, também há conhecidas n integrais de movimento primeiras que são independentes e em involução, então existe uma transformação canônica a coordenadas de ângulos de ação na qual a transformação Hamiltoniana é dependente somente das coordenadas de ação e os ângulos de coordenadas evoluem linearmente no tempo.[1]

Formulação geral

Teorema (Liouville-Arnold-Jost)

Seja (M2n,ω) uma variedade simplética com colchete de Poisson associado {,}. Sejam f1,f2,,fn:M funções suaves e defina 𝐟:Mn por 𝐟(x)=(f1(x),,fn(x)). Fixe 𝐚n na imagem de 𝐟 e ponha M𝐚=𝐟1(𝐚)={xM𝐟(x)=𝐚}. Suponha que

(i) as funções estão em involução: {fi,fj}=0 para todo i,j; e

(ii) df1,df2,,dfn são linearmente independentes em todo ponto de M𝐚 ou, equivalentemente, 𝐟 tem posto maximal em todo ponto de M𝐚.

O subespaço topológico M𝐚 é uma subvariedade lagrangiana de M. Se C𝐚 é uma componente conexa e compacta de M𝐚, então C𝐚 é difeomorfa a um n-toro, C𝐚𝕊1××𝕊1, o produto 𝕋n de n círculos 𝕊1. Se as fis estiverem em involução com um hamiltoniano H, então o fluxo do campo 𝐗H associado a H leva C𝐚 em si mesmo. Tal toro é chamado portanto de toro invariante.

A segunda, e mais substancial, parte merece ser enunciada como outro.

Teorema (Coordenadas de ângulo-ação)

Além disso, existem um aberto U de M contendo C𝐚 e um difeomorfismo (J1,,Jn,φ1,,φn):UDn×𝕋n, onde Dn={xn:x<1} é o disco n-dimensional, tais que

(i) se πD:Dn×𝕋nDn é a projeção canônica, as fibras de πD(J,φ) são toros invariantes. As coordenadas de ação J1,,Jn são constantes em cada toro invariante do aberto U.

(ii) (J,φ)η=ω|U, onde η=dxidθi. Em outras palavras, o difeomorfismo (J,φ) é um simplectomorfismo (ou transformação canônica) de (U,ω|U) em (Dn×𝕋n,η).

Uma carta semilocal do tipo de (U,J,φ) é chamada de sistema semilocal de coordenadas de ângulo-ação.

Temos que λ=JidφiΩ1(U) é uma 1-forma de Liouville para ω|U, isto é, dλ=ω|U. Segue daí e da isotropia de C𝐛U que Ji(x)=12πΓi(x)λ, onde Γi(x) é a imagem de um dos geradores do primeiro grupo de homologia de C𝐚. Note que dfi(𝐗H)={H,fi}=0, logo 𝐗H é tangente a cada um dos toros invariantes. Portanto, dH(φi)=0, ou seja, H|U depende apenas das coordenadas de ação. Se γ é uma curva integral de 𝐗H começando em C𝐚 (portanto permanecendo aí), vemos que φiγ evolui linearmente (mod2π) no tempo. Isso porque d(dH(Ji))(φj)=φj(Ji(H))=[φj,Ji](H)+Ji(dH(φj)) e [φj,Ji]=0, logo H|U/Ji depende apenas das coordenadas de ação. Evoluir linearmente mod2π aqui significa que, levantando φkγ ao recobrimento universal segundo a aplicação 2π-periódica p:𝕊1, p(s)=eis=coss+1sins, obtemos uma função suave sk:. Essa função satisfaz sk=(H|U)/Jk, logo sk é afim, daí o “linearmente”. O movimento evolui como o de um sistema multiperiódico, com frequências νk(𝐚)=12πH/Jk.

Subgrupos discretos do grupo aditivo n

Provaremos nesta seção que todo subgrupo discreto do grupo aditivo do -espaço vetorial n é o span integral de um certo subconjunto linearmente independente.

Lema. Seja Γ{𝟎} um subgrupo discreto de (n,+). Então existem 𝐯1,,𝐯k elementos linearmente independentes tais que Γ=𝐯1++𝐯k.

Antes, um

Fato. Um subgrupo discreto de um grupo topológico Hausdorff é necessariamente fechado.

Prova. Seja H um subgrupo discreto do grupo topológico Hausdorff G. Suponha que existe xG,xH com a propriedade de que toda vizinhança de x intersecta H. Nenhuma dessas interseções pode ter apenas um elemento, já que G é Hausdorff e xH. Sendo H discreto, existe uma vizinhança U de e, o elemento idêntico, tal que UH={e} . Por continuidade da função (x,y)xy1, alguma vizinhança V de e satisfaz VV1U. Uma vez que translações são homeomorfismos, xV é vizinhança de x, portanto há distintos y1,y2xVH. Mas y1y21e está em VV1HUH, absurdo.

Prova do Lema. Pelo resultado anterior, Γ é fechado. Sejam 𝐞1,,𝐞r elementos linearmente independentes de Γ gerando um subgrupo H e um subespaço W. Suponha que ΓW=H. Se HΓ, podemos definir a função xdist(x,W) no fechado não-vazio ΓW. Observe que dist(x+w,W)=dist(x,W) para todo wW, pois a adição de W lhe dá estrutura de grupo; e dist(cx,W)=cdist(x,W), c>0, pois W é subespaço. Seja α=inf{dist(x,W)xΓW}. Escolha uma sequência (xn) de pontos em ΓW com dist(xn,W)<α+1n. Então para alguma sequência (pn) de pontos em W temos |xnpn|<1+α+1n. Considerando as partes inteiras das coordenadas de pn na base 𝐞1,,𝐞r, obtemos uma sequência (zn) de pontos em H com (yn)=(xnzn) uma sequência limitada de pontos em ΓW. Já que Γ é um espaço discreto e fechado, alguma subsequência de (yn) é constante, logo podemos supor que a sequência possui valor constante y. Como dist(xnzn,W)=dist(xn,W), obtemos que dist(y,W)=α. Conclusão: há um ponto em Γ fora de W que minimiza a distância ao subespaço W.

Agora procederemos indutivamente: partindo de um ponto 𝐯1Γ{𝟎} mais próximo da origem, consideramos o subespaço V1 gerado por 𝐯1 e o subgrupo Γ1 gerado por esse elemento. Afirmo que ΓV1=Γ1. Suponha que não. Então há 𝐰(ΓV1)Γ1. Podemos então escrever 𝐰=c𝐯1, com c. Logo 0<cc<1, donde 𝐰c𝐯1Γ{𝟎}; mas |𝐰c𝐯1|<|𝐯1|, absurdo, pois 𝐯1𝟎 minimiza a distância à origem. Se Γ1=Γ, estamos terminados. Caso contrário, existe um ponto em Γ fora de V1 que minimiza a distância ao subespaço V1; escolha algum, digamos, 𝐯2; então {𝐯1,𝐯2} é linearmente independente, gerando o subgrupo Γ2 e o subespaço V2. Novamente vejamos por que ΓV2=Γ2: caso não, existe 𝐰=𝐰0+c𝐯2, 𝐰ΓΓ2, 𝐰0V1, c; temos 𝐰c𝐯2ΓV1, mas dist((cc)𝐯2+𝐰0,V1)=(cc)dist(𝐯2,V1), resultando em contradição. Iterando esse processo, obtemos vetores em Γ linearmente independentes 𝐯1,𝐯2,,𝐯k1 gerando um subgrupo Γk1 e um subespaço Vk1 tais que ΓVk1=Γk1. Se Γk1Γ, o procedimento anterior nos dá 𝐯kΓVk1, com os Γk,Vk correspondentes satisfazendo ΓVk=Γk. O número de iterações é obviamente limitado por n=dimn.

Os toros invariantes

Seja Xi o campo hamiltoniano em M2n associado à função hamiltoniana fi: Xiω=dfi Temos que dfj(Xi)={fj,fi}=0, logo os campos X1,,Xn são tangentes à subvariedade compacta e conexa C𝐚, logo podem ser restritos a campos em C𝐚. Uma vez que 𝐟 tem posto maximal em todo ponto de M𝐚, os campos X1,,Xn são linearmente independentes em todo ponto de C𝐚, logo trivializam o fibrado tangente TC𝐚. Sendo C𝐚 compacta, esses campos são completos, isto é, o fluxo ρis está definido para todo ponto de C𝐚 e para todo s. Pelas fórmulas de Cartan, os campos comutam: [Xi,Xj]=𝐗{fi,fj}=0. É bem sabido que isso implica a comutatividade dos fluxos: ρisρjt=ρjtρis. Para 𝐭=(t1,,tn)n, defina a função suave ρ𝐭:C𝐚C𝐚 por ρ𝐭=ρ1t1ρ2t2ρntn. Segue que ρ𝐭+𝐬=ρ𝐭ρ𝐬. Agora para cada pC𝐚, defina a função suave ρp:nC𝐚 por ρp(𝐭)=ρ𝐭(p). O fato de que X1,,Xn são linearmente independentes em todo ponto de C𝐚 permite concluir, pelo Teorema da Função Inversa, que ρp é um difeomorfismo local em torno de cada 𝐭n. Essa afirmação é clara para 𝐭=𝟎; use ρ𝐭+𝐬=ρ𝐭ρ𝐬. Isso implica que a imagem de ρp é aberta em C𝐚. Analogamente, também é fechada. Por conexidade, ρp é uma submersão sobrejetiva. Agora seja G={𝐭nρp(𝐭)=p}. Trata-se de um subgrupo do grupo aditivo n. Uma vez que ρp é difeomorfismo local, G é subgrupo discreto. (Como esperávamos, G é fechado.) Pelo resultado da seção anterior, existem 𝐞1,,𝐞k linearmente independentes de forma que G=𝐞1+𝐞2++𝐞k. Portanto, C𝐚 é isomorfa como grupo de Lie difeomorfa como variedade a n/k𝕋k×nk. Como C𝐚 é compacta, devemos ter k=n, donde C𝐚𝕋n, com aplicação de recobrimento universal ρp:nC𝐚. O subgrupo discreto G independe do pC𝐚 escolhido. É o subgrupo de isotropia de C𝐚, denotado comumente por Λ𝐚. Também é conhecido por reticulado de períodos de C𝐚.

Um sistema semilocal de coordenadas

Até então, estávamos interessados em um toro invariante particular. Passaremos agora a considerar vários toros invariantes simultaneamente, isto é, investigaremos uma vizinhança de C𝐚. Precisamente, provaremos o seguinte

Lema (Vizinhança trivializável). Seja C𝐚 um toro invariante em M. Existem uma vizinhança U de C𝐚 e um difeomorfismo Φ:UDn×𝕋n tais que

(i) 𝐟 aplica U sobre Dn e prDΦ=𝐟|U;

(ii) as fibras da projeção canônica prD:Dn×𝕋nDn voltam para U via Φ1 como toros invariantes, com prD1(𝐚)=Φ(C𝐚).

Essencialmente, 𝐟|U:UDn é um fibrado trivial. Esse Lema pode ser visto como consequência do Lema da Fibração de EhresmannPredefinição:Nota de rodapé, mas vamos prová-lo de forma a evidenciar aspectos dinâmicos.

Prova do Lema. Para cada 𝐛n e para cada componente conexa N𝐛 de um M𝐛, temos que N𝐛 e M𝐛N𝐛 são fechados disjuntos em M, logo existem abertos disjuntos V1,V2 com N𝐛V1, M𝐛N𝐛V2. Considere o toro invariante C𝐚 em questão. Existe uma vizinhança V de C𝐚 em que 𝐟 tem sempre posto maximal n. Podemos supor que V tem fecho compacto. Seja W a reunião de todas as componentes conexas contidas em V de alguns M𝐛s. Todas essas componentes conexas são compactas, uma vez que são subconjuntos fechados de um compacto, a saber, V. Logo são toros invariantes C𝐛. Afirmo que W é aberto em M. Se xC𝐛V não é ponto interior de W, toda vizinhança de x contém algum ponto de algum N𝐜 que por sua vez possui algum ponto fora de V, portanto fora de algum aberto V que separe C𝐛 de M𝐛C𝐛. Tomando vizinhanças contidas em V convergindo para o ponto x, da conexidade dos N𝐜s obtemos pontos q1,q2,,qn, em bdV, a fronteira topológica de V, pertencendo a N𝐜1,N𝐜2,, e pontos p1,p2,,pn também em N𝐜1,N𝐜2,, com a sequência (pn) convergindo para x. Se qbdV é um limite subsequencial de (qn), temos, por um lado, 𝐟(pn)=𝐜n, donde (𝐜n) converge para 𝐟(x)=𝐛; por outro lado, 𝐟(qn)=𝐜n, logo qM𝐛. Isso é absurdo pois qbdV, logo qC𝐛; mas bdV é disjunta de M𝐛C𝐛. Conclusão: W é uma vizinhança de C𝐚 fibrada por toros invariantes. Considere agora uma subvariedade de W transversa a todos os toros invariantes que a intersectam (isso pode ser feito localmente); podemos restringi-la a uma subvariedade 𝒟 tal que 𝐟(𝒟)=Dn. Por transversalidade, podemos ainda supor que 𝐟|𝒟:𝒟Dn é um difeomorfismo. O aberto U=𝐟1(Dn)W é fibrado por toros invariantes. Conseguimos então uma seção σ=(𝐟|𝒟)1:DnU do fibrado 𝐟|U. Defina o seguinte subespaço topológico 𝒫 de U×n: 𝒫=𝐱Dn{σ(𝐱)}×Λ𝐱. Trata-se do fibrado de reticulados de períodos. Denotaremos por ϖ:𝒫Dn a projeção ϖ(σ(𝐱),𝐭)=𝐱. Pelo Teorema da Função Implícita, podemos resolver localmente ρ𝐭(σ(𝐱))=σ(𝐱) para 𝐭 como função de 𝐱, obtendo uma seção local do fibrado 𝒫. Usando seções locais, podemos levantar continuamente caminhos na base Dn. Encontraremos uma função suave A:DnGL(n,), possivelmente depois de reduzir o raio de Dn, de forma que A(𝐱) é base para o reticulado Λ𝐱. Escolha uma base (𝐞1,,𝐞n) para o subgrupo de isotropia de C𝐚; recorde que σ(𝐚)C𝐚. Considere seções locais de 𝒫 em torno de 𝐚, levando 𝐚 a 𝐞1,𝐞2,,𝐞n; isso nos dá uma função suave A:DnMatn,n(). Por continuidade do determinante, podemos supor que A aplica Dn em GL(n,). Vejamos por que A(𝐱) é base para Λ𝐱 para todo 𝐱Dn: dado 𝐭Λ𝐱, escolha um caminho γ:[0,1]Dn partindo de 𝟎 até 𝐱 na base. Levante a um caminho γ~ em 𝒫 terminando em 𝐭 e começando em algum ponto de Λ𝐚. Temos que γ~(s) expressa-se como combinação linear a coeficientes racionais das colunas de A(γ(s)). Considerando os coeficientes, temos uma função contínua [0,1]n com imagem em n. Essa função é constante, portanto. Como a imagem de 0 possui coordenadas inteiras, também possui a imagem de 1, isto é, 𝐭 é combinação linear integral das colunas de A(𝐱), como queríamos. Estamos prontos para definir a trivialização Φ:Dn×𝕋nU. Começaremos definindo o levantamento ao recobrimento universal, Φ~:Dn×nU por Φ~(𝐱,𝐭)=ρA(𝐱)𝐭(σ(𝐱)). É imediato que Φ~ desce a um difeomorfismo Dn×𝕋nU com todas as propriedades mencionadas.

Definindo coordenadas de ângulo-ação

O difeomorfismo (𝐟,φ¯) obtido anteriormente pode não ser um simplectomorfismo, dada a arbitrariedade envolvida na escolha da seção σ. Começaremos identificando a vizinhança U com o produto Dn×𝕋n via o difeomorfismo (𝐟,φ¯) obtido na seção anterior. Então se πD:Dn×𝕋nDn é a projeção canônica, as fibras πD1(x) são toros invariantes.

Consideraremos o círculo 𝕊1 como um subgrupo de Lie do grupo ={0}𝕊1×+. Recordemos que o campo /θ em 𝕊1 satisfaz ps(ddt|s)=θ|p(s), onde p:𝕊1 é a aplicação de recobrimento universal p(s)=eis. Além disso, para a translação (à esquerda ou à direita, pois o grupo é Abeliano) por z𝕊1, Tz:𝕊1𝕊1 definida por Tz(w)=zw, vale (Tz)(θ|w)=θ|zw. A 1-forma de ângulo dθ é o campo de covetores dual a θ. Para f:U𝕊1 suave, fx(v)=dfx(v)θ|f(x), definindo então uma 1-forma (fechada) dfΩ1(U); de fato df=f(dθ). Para um grupo de Lie G e para funções suaves f,h:UG, definimos fh:UG pela fórmula (fh)(x)=f(x)h(x). Não é difícil ver que (fh)x=(Lf(x))h(x)hx+(Rh(x))f(x)fx, onde Lg,Rg:GG são os difeomorfismos de translação por gG à esquerda e à direita, respectivamente. Feitas essas observações, tornemos ao produto Dn×𝕋n.

Temos

φ¯i=k=1naikXk, onde aik:Dn×𝕋n são funções suaves constantes em cada toro invariante. Na expressão da 2-forma ωΩ2(Dn×𝕋n) no sistema de coordenadas (𝐟,φ¯), não há termos envolvendo dφ¯idφ¯j, uma vez que os toros invariantes são subvariedades isotrópicas para ω, i.e., ω=0 em um toro invariante. Para o coeficiente de dφ¯idfj, temos, uma vez que Xiω=dfi,

ω(φ¯i,fj)=k=1naikω(Xk,fj)=k=1naikdfk(fj)=aij, então

ω=i,j=1nbijdfidfji,j=1naijdφ¯idfj, para certas funções bij. Já que dω=0, temos bijφ¯k=akifjakjfi. Logo bij/φ¯k independe das coordenadas φ¯, pois isso vale para o lado direito. Como são fechadas as curvas integrais dos campos φ¯k, temos bij/φ¯k=0. Consequentemente, tanto as funções aij quanto as funções bij são constantes em cada toro invariante. Agora escrevemos

ω=Bi=1ndφ¯iAi, onde B=i,j=1nbijdfidfj e Ai=j=1naijdfj. Como as aij e as bij são constantes em cada toro invariante, podemos considerar Ai e B como formas no disco Dn, isto é, existem 1-formas α1,,αnΩ1(Dn) e uma 2-forma βΩ2(Dn) tais que Ai=πDαi e B=πDβ. Novamente usando o fato de que ω é fechada, concluímos que dAi=0 e dB=0. Como πD é submersão sobrejetiva, temos dαi=0 e dβ=0. Sendo Dn um espaço contrátil, existem uma função suave 𝐈=(I1,I2,,In):Dnn e uma 1-forma ξΩ1(Dn) tais que dIi=αi, dξ=β. Note que 𝐈 é um difeomorfismo local em torno de 𝟎, pois, tendo 𝐟 posto maximal, segue que dI1,,dIn são linearmente independentes no ponto 𝟎. Aqui potencialmente reduziremos o raio de Dn para que possamos supor 𝐈 um difeomorfismo. Defina Ji=IiπD=πDIi e note que dJi=Ai. Como ω=Bi=1ndφ¯idJi, a matriz de ω na carta (𝐟,φ¯) é

(0JifjJifjbij).

Já que ω é não-degenerada, essa matriz é não-singular, logo det(Jifj)0. Concluímos que (J,φ¯) é difeomorfismo local; sendo invertível – recorde que 𝐈 é difeomorfismo –, (J,φ¯) é um sistema de coordenadas em Dn×𝕋n. Agora ajustaremos a escolha da seção σ. Escreva

ξ=i=1ngidIi onde gi:U são funções suaves. Para p:𝕊1 a aplicação de recobrimento mencionada anteriormente e usando a operação de grupo em 𝕊1, defina φi:U𝕊1 por (pgiπD)φi=φ¯i, notando que dφi=dφ¯id(giπD). Agora,

i=1ndJidφi=i=1ndJidφ¯ii=1ndJiπD(dgi)=i=1ndJidφ¯i+i=1nπDd(gidIi)=πD(dξ)i=1ndφ¯idJi=Bi=1ndφ¯iAi=ω.

Uma vez que 1(1)n(n1)/2n!ωn=dJ1dJndφ1dφn e ωn é uma forma de volume pois ω é não-degenerada, temos que (J,φ) tem posto maximal em todo ponto, portanto (J,φ) é um difeomorfismo local. Como (J,φ) possui inversa, serve como sistema semilocal de coordenadas de ângulo-ação, porque Ji é constante em cada toro invariante. Isso finaliza a construção.

Coordenadas de ângulo-ação no fibrado cotangente

No caso de um sistema mecânico cuja variedade de configurações é Mn, podemos tomar vantagem da existência de uma 1-forma global de Liouville no espaço de fase (TM,ω). Temos que a forma simplética ω é ω=dθ, onde θΩ1(TM) é a 1-forma tautológica.

Coordenadas de ação

Se for conhecida, numa vizinhança trivializável U de um toro invariante C𝐚, uma 1-forma de Liouville θ, podemos definir coordenadas de ação utilizando um difeomorfismo da forma (𝐟,φ¯):UDn×𝕋n. Escolhemos ciclos γ1𝐚,,γn𝐚 em C𝐚 cujas classes de homologia geram o primeiro grupo de homologia H1(C𝐚;)n. O difeomorfismo (𝐟,φ¯)=Φ seleciona então ciclos γ1𝐛,,γn𝐛 em C𝐛s vizinhos cujas classes geram H1(C𝐛;) da seguinte maneira: se Φγi𝐚(t)=(𝐚,γi(t)), então γi𝐛(t)=Φ1(𝐛,γi(t)). Note-se que, se γ e γ são 1-ciclos (suaves) em algum C𝐛 que estão na mesma classe de homologia, então γγ=c, para alguma 2-cadeia (suave) c em C𝐛, logo, pelo Teorema de Stokes,

γθγθ=cθ=cω=0,

pois os toros invariantes são subvariedades isotrópicas.

Definimos Ik:Dn por

Ik(𝐛)=12πγk𝐛θ.

A k-ésima coordenada (ou aplicação) de ação é Jk:U, Jk=Ik𝐟|U. Essas funções são constantes em cada toro invariante.

Proposição. As funções J1,,Jn estão em involução.

Seja 𝐘k o campo Hamiltoniano associado à função Jk. Temos 𝐘kω=dJk=hikdfk=(hik𝐗k)ω, logo {Jr,Js}=0 pois {fr,fs}=0.

Coordenadas de ângulo

Construiremos coordenadas de ângulo sob a seguinte hipótese: numa vizinhança fibrada U de C𝐚 existe uma carta de Darboux (p,q):UDn×𝕋n com a propriedade de que (J,q):Un×𝕋n é um difeomorfismo com a imagem. Dessa hipótese segue que

(i) J é constante ao longo de uma curva integral de /qj;

(ii) podemos supor I=(I1,,In) um difeomorfismo, donde concluímos que as fibras de J são toros invariantes;

(iii) o conjunto {/fkk=1,,n}{/qjj=1,,n} é linearmente independente em todo ponto, pois 𝐟|U(J,q)1(x1,,xn,)=I1(x1,,xn), logo 𝐟(/qj)=0;

(iv) /Ji=ck/fk, onde ck:U, k=1,,n, são funções suaves constantes em cada toro invariante.

No que se segue, θ=ipidqiΩ1(U) – não necessariamente a 1-forma tautológica –, de forma que dθ=ω|U.

Procederemos classicamente, construindo uma função (ou quase isso) geradora.

Começaremos cobrindo 𝕋n por cartas coordenadas (Wi,βi)iI com βi:WiDn um difeomorfismo. O difeomorfismo Φ nos dá uma cobertura de U por cartas coordenadas (Vi,αi)iI, com αi:ViDn×Dn2n difeomorfismo tal que pr1αi=𝐟|Vi. Para cada iI e cada toro invariante C𝐛, escolheremos um ponto yi𝐛ViC𝐛. Fazemos isso para C𝐚 e usamos Φ para selecionar em C𝐛s vizinhos. Escolhemos para cada 𝐛,i um caminho suave em C𝐛 entre o ponto seccional σ(𝐛) e yi𝐛. Temos αi(yi𝐛)=(𝐛,). Se xViC𝐛, αi(x)=(𝐛,cx); voltando com o segmento de reta em {𝐛}×Dn entre e cx, obtemos um caminho em C𝐛Vi entre yi𝐛 e x. Definimos a aplicação suave Si:Vi por

Si(x)=γθ=k=1nγpkdqk, onde γ é o caminho no toro invariante sobre o qual x está, entre o ponto seccional do toro e x, formado pela concatenação dos dois caminhos mencionados no parágrafo anterior.

Para encontrarmos a diferença Si|ViVjSj|ViVj, note que teremos de integrar sobre um laço em um toro invariante. Lembrando-nos de que dθ=ω e da isotropia, passamos à classe de homologia desse loop em H1(C𝐛;), aqui gerado pelas classes dos ciclos fundamentais γ1𝐛,,γn𝐛. Vemos de imediato que Si|ViVjSj|ViVj=2πm1J1|ViVj+2πmnJn|ViVj, onde m1,,mn são funções a valores inteiros constantes em cada componente conexa de ViVj. Existem, portanto, funções que denotaremos por Sqk, k=1,,n, tais que Sqk|Vi=Siqk. Analogamente, existem funções φ1,,φn:U𝕊1 tais que φk|Vi(x)=exp(1SiJk|x).

Note que as 1-formas dφ1,,dφn são localmente exatas com dφk|Vi=d(SiJk).

Proposição 1. Vale Sqk=pk.

Prova. Tomando uma curva integral qk:(ϵ,ϵ)Vi de /qk, temos, uma vez que a imagem de qk está contida numa vizinhança contrátil de uma subvariedade isotrópica (e usando a fórmula de Stokes),

Siqk|qk(0)=ddt|t=0qktθ=ddt|t=0qktpkdqk, onde qkt=qk|[ϵ/2,t].

A proposição segue.

Proposição 2. Se xU, então γjxdφi=2πδij.

Prova. Queremos precisar a manipulação simbólica

γjdφi=γjd(SJi)=JiγjdS=Jiγjθ=Ji(2πJj)=2πδij.

Seja cj:×UU definida por cj(t,x)=Φ1(𝐟(x),γj(t)). Para cada x0U existem uma vizinhança U0 de x0 e uma partição 0=t0<t1<t2<<tr1<2π=tr tais que para cada 1kr existe ν=ν(k) com cj([tk1,tk]×U0)Vν. Então para xU0,

2πJj(x)=cj(x,)θ=k=1rtk1tkcj(x,)θ=ktk1tkd(Sνkcj(x,))=k[Sνkcj(x,tk)Sνkcj(x,tk1)].Da observação (iv), temos cj(t,)(Ji|x)=Ji|cj(t,x). Isso implica o resultado pois dφi|Vνk=d(SνJi).

Proposição 3. A aplicação (J,φ) é uma carta local simplética.

Temos

dSν=θ|Vν+kSνJkdJk. Tomando d de ambos os membros, obtemos

0=d2Sν=ω|Vν+id(SνJi)dJi=ω|Vν+idφi|VνdJi, logo ω=idJidφi. Disso segue que (J,φ) é difeomorfismo local.

Proposição 4. A carta (J,φ) é um difeomorfismo com a imagem (portanto é um simplectomorfismo, ou transformação canônica).

Considere os campos /φi, tangentes a cada toro invariante – de fato, /φi é o campo hamiltoniano associado a Ji. O subgrupo de isotropia da ação de (n,+) em um toro invariante C𝐛 (fixo) dada pela composição dos fluxos dos /φi (restritos a C𝐛) é discreto. Seja 𝐞1,,𝐞n uma base. As imagens das curvas tt𝐞i são ciclos que geram a primeira homologia de C𝐛. Considere a matriz BGL(n,) que leva a base dos ciclos fundamentais {[γi𝐛]i=1,,n}H1(C𝐛;) na base {[γ¯i]} obtida pelas t(t𝐞imodΛ). Usando que dφk é fechada, concluímos, pela Proposição 2, que 12π(𝐞1𝖳𝐞2𝖳𝐞n𝖳)=B, logo Λ é o reticulado canônico 2πn. Temos então um difeomorfismo ψ:𝕋n=n/ΛC𝐛. Para ψ:𝕋nC𝐛 temos (φ|C𝐛ψ)(θi)=θi, em seus respectivos espaços tangentes. Disso segue que φ|C𝐛ψ:𝕋n𝕋n é uma translação. Portanto ψ inverte φ|C𝐛 a menos de uma translação. Isso é dizer que as coordenadas toroidais φ1,,φn são as coordenadas angulares canônicas em 𝕋n. Predefinição:Notas e referências