Transformada de Abel

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A transformada de Abel pode ser interpretada geometricamente como a projeção de uma função circularmente simétrica f(r) sobre uma linha situada a uma dada distância do eixo de simetria. O valor de f é ilustrado em tons de cinza.

Em Matemática, a Transformada de Abel, enunciada por Niels Henrik Abel, é uma transformada integral utilizada em análise de projeções de funções que apresentam simetria esférica ou axial, como, por exemplo, na estimativa da distribuição de massa em galáxias a partir de observações astronômicas, na obtenção da variação de parâmetros atmosféricos com a altitude a partir da ocultação de ondas de rádio pela Terra[1] e na análise da imagem captada por uma câmara de TV que varre uma faixa estreita.[2] Podem-se definir 4 versões diferentes para a transformação, denotadas aqui por 𝒜1 a 𝒜4, cada uma delas sendo útil na solução de determinados problemas. Não há consenso na literatura a respeito da numeração a ser atribuída a cada versão.[3]

A versão mais usada da transformada de Abel de uma função f(r) é dada por:

F(y)=2yf(r)rdrr2y2.

Assumindo f(r) indo a zero mais rapidamente que 1/r, a correspondente transformada inversa é dada por:

f(r)=1πrdFdydyy2r2.[2][3]

Essa versão é um caso especial da transformada de Radon bidimensional.[3] Ela também pode ser relacionada com a transformada de Hankel e com a transformada de Fourier por meio do teorema da fatia central.[4]

A transformada de Abel também está associada ao tema das transformadas fracionais, tendo sido Abel um dos primeiros a explorar o Cálculo Fracional. As equações integrais (fracionárias) de Riemann-Liouville e de Weyl podem ser resolvidas com ajuda da transformada de Abel, após a conveniente substituição de variáveis.[5] Derivadas fracionárias aparecem frequentemente também na descrição da dinâmica da condução de calor em sólidos e da transmissão de sinais elétricos por cabos metálicos.[2]


Definições

Origem

Abel foi o pioneiro no estudo das equações integrais, ao trabalhar, entre 1802 e 1809, com a chamada equação integral de Abel[nota 1]


g(x)=0xf(y)(xy)αdy|x>0,0<α<1(1a)


com g(x) dada e f(x) incógnita. Essa é uma equação integral de Volterra do primeiro tipo; com α = ½, tem relevância na solução do problema da curva tautocrônica, o que foi o fato motivador da pesquisa original. Demonstra-se facilmente que


0xf(y)(xy)αdy=f(x)*1xα(1b)


onde * denota a operação de convolução. A equação de convolução resultante


g(x)=f(x)*1xα(1c)


pode ser resolvida por meio da transformada de Laplace, resultando em


g(x)=sin(απ)π[g(0+)x1α+0xddyg(y)(xy)1αdy](1d)


onde g(0+) é uma forma concisa de escrever o limite


limx0[0xf(y)(xy)αdy](1e)


De forma mais genérica, outras equações integrais em que o integrando é ou pode ser levado, por meio de uma substituição de variáveis, à forma f(x)h(xy) são resolvidas pela mesma técnica. Por exemplo, a solução da equação mais geral


g(x)=0xf(y)h(xy)dy|h(u)=0/u<0(1f)


é dada por


g(x)=ddy[0xg(y)h(xy)dy]=g(0+)h(x)+0x[ddyg(y)]h(xy)dy(1g)


e uma equação na forma


g(x)=0xϕ(y)h(x2y2)dy(1h)


com as substituições u = x2 e v = y2, se transforma na equação


g(x)=120uvϕ(v)h(uv)dv(1i)


que tem a forma da equação (1f), com f(v)=12vϕ(v), e a solução, portanto, é dada por (1g).[3]

Transformadas diretas e inversas

As 4 versões da transformada de Abel são as seguintes:

𝒜1{f(x)}=A1(y)=2yxf(x)x2y2dx|y>0(2a)


𝒜2{f(x)}=A2(y)=yf(x)x2y2dx|y>0(2b)


𝒜3{f(x)}=A3(y)=0yf(x)y2x2dx|y>0(2c)


𝒜4{f(x)}=A4(y)=20yxf(x)y2x2dx|y>0(2d).[3]


A solução das equações integrais (2a) a (2d), sob a condição geral

limyAk(y)=0(4a)

é dada pela respectiva transformada inversa de Abel:


f(x)=𝒜11{A1(y)}=1πx[ddxxyA1(y)y2x2dy]=1πxddyA1(y)y2x2dy(3a)


f(x)=𝒜21{A2(y)}=2π[ddxxyA2(y)y2x2dy]=2xπxddyA2(y)y2x2dy(3b)


f(x)=𝒜31{A3(y)}=2π[ddx0xyA3(y)x2y2dy]=2A3(0)π+2xπ0xddyA3(y)x2y2dy(3c)


f(x)=𝒜41{A4(y)}=1πx[ddx0xyA4(y)x2y2dy]=A4(0)πx+1π0xddyA4(y)x2y2dy(3d)


A transformada 𝒜1, por ser um caso especial (o caso que apresenta simetria circular) da transformada de Radon bidimensional, pode ainda ser invertida pela fórmula


f(x)=𝒜11{A1(y)}=1π[ddxxxA1(y)yy2x2dy](3e)[3]

O núcleo de Abel

A equação (2a) também pode ser escrita na forma


𝒜1{f(x)}=A1(y)=20f(x)k(x,y)dxk(x)={0:x<y2xx2y2:xy(2e)


que é a forma de uma transformada integral genérica. A função k(x) é chamada o núcleo de Abel[2].

Propriedades

Relação geral entre as transformadas

As diferentes versões da transformada de Abel mantêm entre si as seguintes igualdades:

𝒜1{f(x)}=2𝒜2{xf(x)}𝒜4{f(x)}=2𝒜3{xf(x)}𝒜1{f(x)x}=2𝒜2{f(x)}𝒜4{f(x)x}=2𝒜3{f(x)}f(x)=2πddy𝒜1{yA1(y)}f(x)=2πddy𝒜2{yA2(y)}(4b)[3]

O núcleo modificado de Abel

A função núcleo modificado de Abel K(y) dada por


K(y)={1y:y<00:y0(4c)[2]


possui a seguinte propriedade


K(y)*(K(y)*[ddyA3(y)])=πA3(y)(4d)


(4d) pode ser reescrita em forma de operadores como

𝐊*𝐊*=π𝒜3(4e)


Ou seja, duas convoluções com a função núcleo modificado equivalem à inversa da diferenciação, isto é, a uma integração. Por isso, diz-se que uma convolução equivale a "meia integração". Essa propriedade leva diretamente aos conceitos de derivada fracional e de integral fracional.[2]

Primeiro momento

A3(y)dy=2π0xf(x)dx(4f)[2]

Valor inicial

A3(0)=20f(x)dx(4g)[2]

Relação com as transformadas de Radon, de Hankel e de Fourier

Se uma função bidimensional f(x,y) possui simetria circular, podemos escrever f(x,y) = f(r). A transformada de Radon de f(r) será uma função apenas de ρ, e podemos fazer θ = 0 na fórmula de definição


{f(x,y)}=ϕ(ρ,θ)=f(x,y)δ(ρxcos(θ)ysin(θ))dxdy


onde {f(x,y)} é a transformada de Radon bidimensional de f(x,y), de forma a obter


ϕ(ρ)=2ρuf(u)u2ρ2du|ρ>0


que é a definição da transformada de Abel 𝒜3.

Como 𝒜3 é um caso especial de , vale o teorema da fatia central e podemos escrever, em forma de operadores

1𝒜3=2(4h)

onde n denota a transformada de Fourier de dimensão n. Essa propriedade é importante porque permite obter transformadas de Abel a partir de tabelas de transformadas de Fourier.

Finalmente, como a transformada de Hankel de ordem 0 𝒦0 é idêntica à transformada bidimensional de Fourier para a situação considerada, de simetria circular, e como a transformada de Hankel é sua própria inversa, podemos também escrever


1𝒜3=𝒦0𝒜31=𝒦01(4i)[6].

A expressão (4i) é conhecida como o anel (ou o ciclo) de transformadas Abel-Fourier-Hankel (ing. Abel-Fourier-Hankel ring of transforms). Cumpre recordar que a função original f precisa apresentar simetria circular para que a transformação de Abel seja aplicada.[2]

Aplicações

Solução de equações integrais fracionárias

A equação integral de Riemann-Liouville


g(x)=1Γ(μ)0xf(y)(xy)μ1dy(5a)


onde Γ(x) é a função gama, é resolvida com ajuda da transformada de Abel 𝒜4 após a substituição de variáveis x = u2 e y = v2, e fazendo α = ½. Com isso, (5a) se transforma em


πg(u2)|μ=12=20uvf(v2)(u2v2)12dv(5b)


A equação integral de Weyl


g(x)=1Γ(μ)xf(y)(yx)μ1dy(5c)


mediante a mesma substituição de variáveis, se transforma em


πg(u2)|μ=12=2uvf(v2)(v2u2)12dv(5d)[5]


Tabelas de transformadas de Abel

Tabela 1 - Transformadas de Abel do tipo 1 de algumas funções f(x)[7][2]
f(x)[nota 2] A1(y)
δ(xa) 2aχ(ya)a2y2
χ(xa)a2x2 πχ(ya)
χ(xa) 2χ(ya)a2y2
χ(xa)a2x2 π2χ(ya)(a2y2)
χ(xa)(a2x2) 43χ(ya)(a2y2)32
χ(xa)(a2x2)32 3π8χ(ya)(a2y2)2
χ(xa)(a2x2)n12 Cnχ(ya)(a2y2)n2
1a2+x2 πa2+y2
ex2 πey2
x2ex2 (y2+12)πey2
sinc(2ax) 12aJ0sinc(2aπy)
cos(ax) πyJ1(ay)
J0(ax) 2acos(ay)
1xJ1(ax) 2aysin(ay)
1xJ2n(2ax) πJn(ay)Yn(ay)
1xY2n(2ax) π2[Jn2(ay)Yn2(ay)]
Tabela 2 - Transformadas de Abel do tipo 2 de algumas funções f(x)[7]
f(x)[nota 2] A2(y)
χ(xa)a2x2 1aF(π2,1ya)|y<a
χ(xa) ln(a+a2y2y)|y<a
δ(xa) 1a2y2|y<a
χ(xa)a2x2 a[F(π2,1ya)E(π2,1ya)]|y<a
x2χ(xa)a2x2 aE(π2,1ya)|y<a
(ax)χ(xa) ln(a+a2y2y)a2y2|y<a
sin(ax) π2J0(ay)
xcos(ax) π2yJ1(ay)
xJ0(ax) 1acos(ay)
Tabela 3 - Transformadas de Abel do tipo 3 de algumas funções f(x)[7]
f(x)[nota 2] A3(y)
1a2x2 1aF(π2,ya)|y<a
χ(xa) arcsin(ay)|y>a
δ(xa) y2a2|y>a
a2x2 aE(π2,ya)|y<a
x2a2x2 a[F(π2,ya)E(π2,ya)]|y<a
(ax) aπ2y|y<a
cos(ax) π2J0(ay)
xsin(ax) π2yJ1(ay)
xJ0(ax) 1asin(ay)
J2n(ax) π2[Jn(ay2)]2
xn+1Jn(ax) π2ayn+12Jn+12(ay)
onde:

Notas

  1. Alguns autores chamam (1a) de equação integral generalizada de Abel, reservando o nome "equação integral de Abel" para o caso especial α = ½.
  2. 2,0 2,1 2,2 Para manter coerência com o texto do verbete, empregou-se x como a variável independente, mas a maioria das tabelas que se encontra na literatura utiliza r, pois nos problemas práticos geralmente se trata de um raio vetor.
  3. Isto é: χ(x)={1:|x|10:|x|>0=rect(2x), onde rect é a função retangular.
  4. Informações sobre o cálculo dessa integral podem ser encontradas Predefinição:Link.


Ver também


Predefinição:Referências

  1. MathWorld - Transformada de Abel, disponível em http://mathworld.wolfram.com/AbelTransform.html, acessado em 20/12/2013
  2. 2,00 2,01 2,02 2,03 2,04 2,05 2,06 2,07 2,08 2,09 R. Bracewell - The Fourier Transform and its Applications, 3rd. Edition, New York: McGraw-Hill, 2000, ISBN 0-07303-938-1 / ISBN 978-0-0730-3938-1, Cap. 13, pp. 351 a 357
  3. 3,0 3,1 3,2 3,3 3,4 3,5 3,6 S. Deans - Radon and Abel Transforms in A. Poularikas (org) - The Transforms and Applications Handbook, 2nd. edition, Boca Raton: CRC, 2000, Cap. 8, pp. 776 a 783
  4. S. Deans - op. cit., pp. 789 a 790
  5. 5,0 5,1 S. Deans - op. cit., pag. 783
  6. S. Deans - op. cit., cap. 8, pag. 788
  7. 7,0 7,1 7,2 S. Deans - op. cit., pag. 824 a 825