Modelo de Hodgkin-Huxley

Fonte: testwiki
Saltar para a navegação Saltar para a pesquisa
Componentes básicos de modelos do tipo Hodgkin-Huxley, representando as características biofísicas das membranas celulares.

O modelo de Hodgkin-Huxley, ou modelo baseado em condutância, é um modelo matemático que descreve como potenciais de ação nos neurônios são iniciados e propagados. É um sistema de equações diferenciais não-lineares que se aproxima das características elétricas das células excitáveis, tais como neurônios e miócitos cardíacos. O modelo é um sistema dinâmico de tempo contínuo.

Alan Lloyd Hodgkin e Andrew Huxley descreveram o modelo em 1952 para explicar os mecanismos iônicos subjacentes à iniciação e propagação dos potenciais de ação no axônio gigante de lula.[1] Em 1963, eles receberam o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina por este trabalho.

Componentes básicos

O modelo de Hodgkin-Huxley típico trata cada componente de uma célula excitável como um elemento elétrico. A bicapa lipídica é representada como uma capacitância (Cm). Canais de íons dependentes da voltagem são representados por condutâncias variáveis (gn, em que n é o canal de íon específico) que variam conforme a voltagem e o tempo. Canais de vazamento são representados por uma condutância linear (gl - o subscrito l neste caso se refere à leakage, vazamento em inglês). Os gradiente eletroquímicos que conduzem o fluxo de íons são representados por fontes de tensão (En), determinados pela relação das concentrações intra- e extracelulares das espécies iônicas de interesse. Os canais de vazamento passivo também apresentam seu gradiente eletroquímico (El). Por fim, bombas de íons são representados pela fonte de corrente (Ip). O potencial da membrana é designado por Vm.

Matematicamente, a corrente que flui através da bicapa lipídica é descrita como

Ic=CmdVmdt

e a corrente através de um dado canal de íons é o produto

Ii=gn(VmVi),

em que Vi é o potencial de reversão do i-ésimo canal de íon. Assim, para uma célula com canais de sódio e de potássio, a corrente total através da membrana é dada por

I=CmdVmdt+gK(VmVK)+gNa(VmVNa)+gl(VmVl),

em que I é a corrente total da membrana por unidade de área, Cm representa a capacitância de membrana por unidade de área, gK e gNa são as condutâncias de potássio e de sódio por unidade de área, respectivamente, VK e VNa são os potenciais de reversão de potássio e de sódio, respectivamente, e gl e Vl são a condutância de vazamento por unidade de área e potencial de reversão de vazamento, respectivamente. Os elementos dependentes do tempo desta equação são Vm, gNa, e gK, sendo que os dois últimos também dependem explicitamente da tensão Vm.

Caracterização da corrente iônica

Em canais de íons dependentes da voltagem, a condutância do canal é uma função de tempo e voltagem (gn(t,V)), enquanto no canal de vazamento, gl é uma constante. A corrente gerada por bombas de íons é dependente das espécies iônicas específicas a essa bomba.

Canais de íons dependentes da voltagem

Usando uma série de experimentos de grampeamento de voltagem e variando as concentrações de sódio e potássio extracelulares, Hodgkin e Huxley desenvolveram um modelo no qual as propriedades de uma célula excitável são descritas por pelo sistema de quatro equações diferenciais ordinárias

{I=CmdVmdt+g¯Kn4(VmVK)+g¯Nam3h(VmVNa)+g¯l(VmVl)dndt=αn(Vm)(1n)βn(Vm)ndmdt=αm(Vm)(1m)βm(Vm)mdhdt=αh(Vm)(1h)βh(Vm)h,

em que I é a corrente por unidade de área, e αi e βi são constantes de velocidade para o canal iônico de ordem i, que dependem da voltagem, mas não do tempo. g¯n é o valor máximo da condutância. n, m, e h são valores adimensionais entre 0 e 1 que estão associados com a ativação do canal de potássio, a ativação dos canais de sódio, e a inativação do canal de sódio, respectivamente. Para p=(n,m,h), αp e βp assumem a forma

αp(Vm)=p(Vm)/τpβp(Vm)=(1p(Vm))/τp,

em que p e (1p) são os valores de estado estacionário para a ativação e inativação, respectivamente, e são geralmente representados por equações de Boltzmann como funções de Vm. No artigo original por Hodgkin e Huxley,[1] as funções α e β são dadas por

αn(Vm)=0.01(10V)exp(10V10)1αm(Vm)=0.1(25V)exp(25V10)1αh(Vm)=0.07exp(V20)βn(Vm)=0.125exp(V80)βm(Vm)=4exp(V18)βh(Vm)=1exp(30V10)+1,

em que V=VrepVm denota a despolarização negativa em mV, com Vrep sendo o potencial de repouso do neurônio.

Em muitos programas de software atuais,[2] modelos do tipo Hodgkin–Huxley generalizam α e β como

Ap(VmBp)exp(VmBpCp)Dp

Para caracterizar canais dependentes da voltagem, as equações podem ser ajustadas para os dados de grampeamento de voltagem. Resumidamente, quando o potencial de membrana é mantido a um valor constante (isto é, grampeamento de voltagem), para cada valor do potencial de membrana as equações não lineares de gating reduzem a equações da forma

m(t)=m0[(m0m)(1et/τm)]h(t)=h0[(h0h)(1et/τh)]n(t)=n0[(n0n)(1et/τn)].

Assim, para cada valor de potencial de membrana Vm as correntes de sódio e de potássio podem ser descritas por

INa(t)=g¯Nam(Vm)3h(Vm)(VmENa)IK(t)=g¯Kn(Vm)4(VmEK).

De modo a chegar à solução completa para um potencial de ação propagado, deve-se escrever o termo da corrente I no lado esquerdo da primeira equação diferencial em termos de V, para que a equação se torne uma equação apenas da voltagem. A relação entre I e V pode ser derivada da teoria de cabos e é dada por

I=a2R2Vx2,

em que a é o raio do axônio, R é a resistência específica do axoplasma, e x é a posição ao longo da fibra nervosa. Substituir essa expressão para I transforma o conjunto original de equações em um conjunto de equações diferenciais parciais, porque a voltagem se torna uma função de ambos x e t.

O algoritmo de Levenberg–Marquardt, um algoritmo de Gauss-Newton modificado, é frequentemente usado para ajustar essas equações aos dados do grampeamento de voltagem.[3][4]

Embora as experiências originais tratassem apenas os canais de sódio e de potássio, o modelo de Hodgkin-Huxley também pode ser estendido para explicar outras espécies de canais iónicos.

Canais de vazamento

Canais de vazamento representam a permeabilidade natural da membrana a íons e tomam a forma da equação de canais dependentes da voltagem, em que a condutância gl é uma constante. Dessa forma, a corrente decorrente dos canais de vazamento Il é dada por Il=gl(VmVl).

Bombas e trocadores

O potencial de membrana depende da manutenção dos gradientes de concentração iônica através da mesma. A manutenção destes gradientes de concentração requer o transporte ativo das espécies iônicas. As bombas de sódio-potássio (Na/K) e de sódio-cálcio (Na/Ca) são as responsáveis por manter esse equilíbrio. Algumas das propriedades básicas do trocador Na/Ca são bem estabelecidas: a estequiometria de troca de Na+ para Ca2+ é de 3:1, respectivamente, e o trocador é eletrogênico e sensível à voltagem. O permutador de Na/K também foi descrito em detalhe, com uma estequiometria de 3:2 entre os íons Na+ e K+, respectivamente.[5][6]

Propriedades matemáticas

O modelo Hodgkin-Huxley pode ser pensado como um sistema de equações diferenciais com quatro variáveis de estado, v(t), m(t), n(t), e h(t), que mudam em relação ao tempo t. O sistema é de difícil estudo por ser um sistema não-linear, e não poder ser resolvido analiticamente. Porém, existem vários métodos numéricos disponíveis para analisar o sistema. A existência de certas propriedades e comportamentos gerais, como por exemplo ciclo limite, podem ser provados.

Simulação do modelo Hodgkin-Huxley em espaço de fase, em termos da voltagem v(t) e da variável de gating de potássio n(t). A curva fechada é conhecida como ciclo limite.

Ciclo limite

Por existirem quatro variáveis de estado, visualizar o caminho no espaço de fase pode ser difícil. Normalmente, duas variáveis são escolhidas, a voltagem v(t) e a variável de gating de potássio n(t), que permite visualizar o ciclo limite. No entanto, é preciso ter cuidado, pois este é um método ad hoc de visualizar o sistema quadri-dimensional. Isto não prova a existência do ciclo limite.

Uma projeção melhor pode ser construída a partir da análise cuidadosa da matriz jacobiana do sistema, quando este é avaliado no ponto de equilíbrio. Especificamente, os autovalores da matriz são indicativos da existência do ciclo limite. Da mesma forma, os autovetores da matriz revelam a orientação do ciclo limite. O modelo Hodgkin-Huxley tem dois autovalores negativos e dois autovalores complexos com parte reais levemente positivas. Os autovetores associados com os dois autovalores negativos irão reduzir a zero conforme o tempo t cresce. Os dois autovetores complexos remanescentes definem o ciclo limite. Em outras palavras, o sistema quadri-dimensional colapsa em um plano bidimensional. Qualquer solução começando fora do ciclo limite irá decair em direção a ele.

A voltagem v(t) (em milivolts) do modelo Hodgkin-Huxley, em um período de 50 milisegundos. A corrente injetada varia de −5 nanoampères à 12 nanoampères. O gráfico passa por três estágios: uma fase de equilíbrio, uma fase de um disparo único e uma fase de ciclo limite.

Bifurcação

Se a corrente injetada I for utilizada como um parâmetro de bifurcação, então o modelo de Hodgkin-Huxley passa por uma bifurcação de Hopf. Assim como a maioria dos modelos neuronais, aumentar a corrente injetada irá aumentar a razão de disparo do neurônio. Uma consequência da bifurcação de Hopf é que há uma razão mínima de disparo. Isso quer dizer que, ou o neurônio não está disparando (com uma frequência zero), ou está disparando à razão mínima de disparo. Por conta da lei do tudo-ou-nada, não há um aumento gradual na amplitude do potencial de ação, mas sim um súbito "salto". A transição resultante é conhecida como canard.

Melhorias e modelos alternativos

O modelo de Hodgkin-Huxley é considerado uma das grandes realizações da biofísica do século 20. No entanto, os modelos do tipo Hodgkin-Huxley modernos foram aprimorados em vários aspectos importantes:

  • Populações adicionais de canais iônicos têm sido incorporadas com base em dados experimentais.
  • O modelo de Hodgkin-Huxley foi modificado para incorporar a teoria do estado de transição e produzir modelos de Hodgkin-Huxley termodinâmicos.[7]
  • Modelos frequentemente incorporam geometrias altamente complexas de dendritos e axônios, muitas vezes com base em dados de microscopia.
  • Modelos estocásticos de comportamento dos canais de íons, levando a sistemas híbridos estocásticos.[8]

Vários modelos neuronais simplificados também têm sido desenvolvidos (tal como o modelo FitzHugh-Nagumo), facilitando a simulação em larga escala eficiente dos grupos de neurônios, bem como uma visão matemática na dinâmica da geração do potencial de ação.

Ver também

Predefinição:Referências