Martingale

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Em teoria das probabilidades, um martingale é um modelo de jogo honesto (fair game) em que o conhecimento de eventos passados nunca ajuda a prever os ganhos futuros e apenas o evento atual importa. Em particular, um martingale é uma sequência de variáveis aleatórias (isto é, um processo estocástico) para o qual, a qualquer tempo específico na sequência observada, a esperança do próximo valor na sequência é igual ao valor presentemente observado, mesmo dado o conhecimento de todos os valores anteriormente observados.[1]

O movimento browniano parado é um exemplo de martingale. Ele pode modelar um jogo de cara ou coroa com a possibilidade de falência.

Em contraste, em um processo que não é um martingale, o valor esperado do processo em um tempo pode ainda ser igual ao valor esperado do processo no tempo seguinte. Entretanto, o conhecimento de eventos anteriores (por exemplo, todas as cartas anteriormente retiradas de um baralho) pode ajudar a reduzir a incerteza sobre os eventos futuros. Assim, o valor esperado do próximo evento, dado o conhecimento do evento presente e de todos os anteriores, pode ser mais elevado do que o do presente evento se uma estratégia de ganho for usada. Martingales excluem a possibilidade de estratégias de ganho baseadas no histórico do jogo e, portanto, são um modelo de jogos honestos. É também uma técnica utilizada no mercado financeiro, para recuperar operações perdidas. Dobra-se a segunda mão para recuperar a anterior, e assim sucessivamente, até o acerto.

Martingale é o sistema de apostas mais comum na roleta. A popularidade deste sistema se deve à sua simplicidade e acessibilidade. O jogo Martingale dá a impressão enganosa de vitórias rápidas e fáceis. A essência do sistema de jogo da roleta Martingale é a seguinte: fazemos uma aposta em uma chance igual de roleta (vermelho-preto, par-ímpar), por exemplo, no “vermelho”: fazemos uma aposta na roleta por 1 dólar; se você perder, dobramos e apostamos $ 2. Se perdermos na roleta, perderemos a aposta atual ($ 2) e a aposta anterior ($ 1) de $ 3. 4, por exemplo. duas apostas ganham (1 + 2 = $ 3) e temos um ganho líquido de $ 1 na roleta. Se você perder uma segunda vez na roleta Martingale, dobramos a aposta novamente (agora é $ 4). Se ganharmos, ganharemos de volta as duas apostas anteriores (1 + 2 = 3 dólares) e a atual (4 dólares) da roda da roleta, e novamente ganharemos 1 dólar do cassino [2].

Histórico

Originalmente, a expressão "martingale" se referia a um grupo de estratégias de aposta popular na França do século XVIII.[3][4] A mais simples destas estratégias foi projetada para um jogo em que o apostador ganhava se a moeda desse cara e perdia se a moeda desse coroa. A estratégia fazia o apostador dobrar sua aposta depois de cada derrota a fim de que a primeira vitória recuperasse todas as perdas anteriores, além de um lucro igual à primeira aposta. Conforme o dinheiro e o tempo disponível do apostador se aproximam conjuntamente do infinito, a possibilidade de eventualmente dar cara se aproxima de 1, o que faz a estratégia de aposta martingale parecer como algo certo. Entretanto, o crescimento exponencial das apostas eventualmente leva os apostadores à falência, assumindo de forma óbvia e realista que a quantidade de dinheiro do apostador é finita (uma das razões pelas quais casinos, ainda que desfrutem normativamente de uma vantagem matemática nos jogos oferecidos aos seus clientes, impõem limites às apostas). Um movimento browniano parado, que é um processo martingale, pode ser usado para descrever a trajetória de tais jogos.

O conceito de martingale em teoria das probabilidades foi introduzido por Paul Lévy em 1934, ainda que ele não lhes tivesse dado este nome.[5] O termo "martingale" foi introduzido em 1939 por Jean Ville,[6] que também estendeu a definição à martingales contínuos.[7] Muito do desenvolvimento original da teoria foi feito por Joseph Leo Doob, entre outros.[8] Parte da motivação daquele trabalho era mostrar a impossibilidade de estratégias de aposta bem-sucedidas.[9]

Definições

Uma definição básica de um martingale de tempo discreto diz que ele é um processo estocástico (isto é, uma sequência de variáveis aleatórias) X1,X2,X3,... de tempo discreto que satisfaz, para qualquer tempo n,

𝐄(|Xn|)<
𝐄(Xn+1X1,,Xn)=Xn.

Isto é, o valor esperado condicional da próxima observação, dadas todas as observações anteriores, é igual à mais recente observação.[10]

Sequências martingale em relação a outra sequência

Mais geralmente, uma sequência Y1,Y2,Y3,... é considerada um martingale em relação a outra sequência X1,X2,X3,... se, para todo n,

𝐄(|Yn|)<
𝐄(Yn+1X1,,Xn)=Yn.

Da mesma forma, um martingale de tempo contínuo em relação ao processo estocástico Xt é um processo estocástico Yt tal que, para todo t,

𝐄(|Yt|)<
𝐄(Yt{Xτ,τs})=Ysst.

Isto expressa a propriedade de que o valor esperado condicional de qualquer observação no tempo t, dadas todas as observações até o tempo s, é igual à observação no tempo s (considerando que st).

Definição geral

Em geral, um processo estocástico Y:T×ΩS é um martingale em relação a uma filtração Σ* e medida de probabilidade P se

  • Σ* for uma filtração do espaço de probabilidade subjacente (Ω,Σ,P);
  • Y for adaptado à filtração Σ*, isto é, para cada t no conjunto de índices T, a variável aleatória Yt for uma função mensurável Στ;
  • Para cada t, Yt estiver no espaço Lp L1(Ω,Σt,P;S), isto é,
𝐄𝐏(|Yt|)<+;
  • Para todo s e todo t, sendo s<t, e todo FΣS
𝐄𝐏([YtYs]χF)=0,
em que χF denota a função indicadora do evento F.
A última condição é denotada como
Ys=𝐄𝐏(Yt|Σs),
que é uma forma geral de valor esperado condicional.[11]

É importante notar que a propriedade martingale envolve tanto a filtração, como a medida de probabilidade (em relação à qual os valores esperados são assumidos). É possível que Y seja um martingale em relação a uma medida, mas não em relação a outra. O Teorema de Girsanov oferece uma forma de encontrar uma medida em relação à qual um processo de Itō é um martingale.[12]

Exemplos de martingales

  • Um passeio aleatório não viesado (em qualquer número de dimensões) é um exemplo de martingale.
  • O dinheiro de um apostador é um martingale se todos os jogos de aposta com que ele se envolver forem honestos.
  • Uma urna de Pólya contém uma quantidade de bolas de diferentes cores. A cada iteração, uma bola é aleatoriamente retirada da urna e substituída por várias outras da mesma cor. Para qualquer cor dada, a fração das bolas na urna com aquela cor é um martingale. Por exemplo, se atualmente 95% da bolas são vermelhas, então, ainda que a próxima iteração mais provavelmente adicione bolas vermelhas e não de outra cor, este viés está exatamente equilibrado pelo fato de que adicionar mais bolas vermelhas altera a fração de forma muito menos significativa do que adicionar o mesmo número de bolas não vermelhas alteraria.
  • Suponha que Xn seja o dinheiro de um apostador depois que uma moeda honesta foi jogada n vezes, sendo que o apostador ganha $1 se der cara e perde $1 se der coroa. O valor esperado condicional do dinheiro do apostador depois que a moeda for jogada novamente, dado o histórico, é igual ao dinheiro atual. Esta sequência é, portanto, um martingale.
  • Considere Yn=Xn2n, em que Xn é o dinheiro do apostador no exemplo acima. Então, a sequência {Yn:n=1,2,3,...} é um martingale. Isto também pode ser usado para mostrar que o total de vitórias ou derrotas do apostador varia aproximadamente entre menos e mais a raiz quadrada do número de vezes que a moeda for jogada.
  • No caso de um martingale de Moivre, suponha que a moeda é desonesta, isto é, viesada, com probabilidade p de dar cara e probabilidade q=1p de dar coroa. Considere
Xn+1=Xn±1
com + se der cara e se der coroa. Considere
Yn=(q/p)Xn.
Então, {Yn:n=1,2,3,...} é um martingale com relação à {Xn:n=1,2,3,...}. Para mostrar isto,
E[Yn+1X1,,Xn]=p(q/p)Xn+1+q(q/p)Xn1=p(q/p)(q/p)Xn+q(p/q)(q/p)Xn=q(q/p)Xn+p(q/p)Xn=(q/p)Xn=Yn.
  • No teste de razão de verossimilhança em estatística, uma variável aleatória X é tida como distribuída de acordo com uma densidade de probabilidade f ou uma densidade de probabilidade diferente g. Uma amostra aleatória X1,...,Xn é tomada.[13] Considere Yn a razão de verossimilhança
Yn=i=1ng(Xi)f(Xi)
Se X for verdadeiramente distribuída de acordo com a densidade f e não com a densidade g, então {Yn:n=1,2,3,...} é um martingale com relação a {Xn:n=1,2,3,...}.
  • Suponha que uma ameba se divide em duas amebas com probabilidade p ou morre com probabilidade 1p . Considere Xn o número de amebas sobreviventes na n-ésima geração (em particular, Xn=0, se a população estiver extinta naquele momento). Considere r a probabilidade de eventual extinção. Considerar r como uma função de p é um exercício instrutivo. A probabilidade de que os descendentes de uma ameba eventualmente morram é igual à probabilidade de que qualquer um de seus descendentes imediatos morra, dado que a ameba original se dividiu.[14] Então
{rXn:n=1,2,3,}
é um martingale em relação a {Xn:n=1,2,3,...}.
Uma série martingale criada por software.
  • Em uma comunidade ecológica (um grupo de espécies em um nível trófico particular, competindo por recursos semelhantes em uma área local), o número de indivíduos de qualquer espécie particular de tamanho fixado é uma função de tempo (discreto) e pode ser visto como uma sequência de variáveis aleatórias. Esta sequência é um martingale sob a teoria neutra unificada de biodiversidade e biogeografia.
  • Se {Nt:t0} for um processo de Poisson com intensidade λ, então o processo de Poisson compensado {Ntλt:t0} é um martingale de tempo contínuo com caminhos amostrais contínuos à direita/limitados à esquerda.

Submartingales, supermartingales e relação com funções harmônicas

Há duas generalizações populares de um martingale que também incluem casos em que a observação atual Xn não é necessariamente igual à futura expectativa condicional E[Xn+1|X1,...,Xn], mas, em vez disto, a um limite superior ou inferior à expectativa condicional. Estas definições refletem uma relação entre a teoria do martingale e a teoria do potencial, que é o estudo das funções harmônicas.[15] Assim como um martingale de tempo contínuo satisfaz a E[Xt|{Xτ:τs}Xs=0st, uma função harmônica f satisfaz a equação diferencial parcial Δf=0, em que Δ é o operador de Laplace. Dado um processo de movimento browniano Wt e uma função harmônica f, o processo resultante f(Wt) também é um martingale.

  • Um submartingale de tempo discreto é uma sequência X1,X2,X3, de variáveis aleatórias integráveis que satisfaz a
E[Xn+1|X1,,Xn]Xn.
Da mesma forma, um submartingale de tempo contínuo satisfaz a
E[Xt|{Xτ:τs}]Xsst.
Em teoria do potencial, uma função sub-harmônica f satisfaz a Δf0. Qualquer função sub-harmônica limitada acima por uma função harmônica para todos os pontos no limite de uma bola é limitada acima pela função harmônica para todos os pontos dentro da bola. Da mesma forma, se um submartingale e um martingale tem expectativas equivalentes para um dado tempo, o histórico do submartingale tende a ser limitado acima pelo histórico do martingale. Grosso modo, o prefixo "sub-" é consistente porque a atual observação Xn é menor ou igual à expectativa condicional E[Xn+1|X1,...,Xn]. Consequentemente, a observação atual oferece apoio a partir de baixo da futura expectativa condicional e o processo tende a crescer no tempo futuro.
  • De forma análoga, um supermartingale de tempo discreto satisfaz a
E[Xn+1|X1,,Xn]Xn.
Da mesma forma, um supermartingale de tempo contínuo satisfaz a
E[Xt|{Xτ:τs}]Xsst.
Em teoria do potencial, uma função super-harmônica f satisfaz a Δf0. Qualquer função super-harmônica limitada abaixo por uma função harmônica para todos os pontos no limite de uma bola é limitada abaixo pela função harmônica para todos os pontos dentro da bola. Da mesma forma, se um supermartingale e um martingale tem expectativas equivalentes para um dado tempo, o histórico do supermartingale tende a ser limitado abaixo pelo histórico do martingale. Grosso modo, o prefixo "super-" é consistente porque a atual observação Xn é maior ou igual à expectativa condicional E[Xn+1|X1,...,Xn]. Consequentemente, a observação atual oferece apoio a partir de cima da futura expectativa condicional e o processo tende a decrescer no tempo futuro.

Exemplos de submartingales e supermartingales

  • Todo martingale é também um submartingale e um supermartingale. Reciprocamente, todo processo estocástico que é tanto um submartingale, como um supermartingale, é um martingale.
  • Considere novamente um apostador que ganha $1 quando uma moeda der cara e perde $1 quando a moeda der coroa. Suponha agora que a moeda possa estar viesada e que ela dê cara com probabilidade p.
    • Se p for igual a 1/2, o apostador em média não perde, nem ganha dinheiro e a riqueza do apostador ao longo do tempo é um martingale.
    • Se p for menor que 1/2, o apostador perde dinheiro em média e a riqueza do apostador ao longo do tempo é um supermartingale.
    • Se p for maior que 1/2, o apostador ganha dinheiro em média e a riqueza do apostador ao longo do tempo é um submartingale.
  • Uma função convexa de um martingale é um submartingale pela desigualdade de Jensen. Por exemplo, o quadrado da riqueza de um apostador em jogo de moeda honesta é um submartingale (o que também se segue do fato de que Xn2n é um martingale). Da mesma forma, uma função côncava de um martingale é um supermartingale.

Martingales e tempos de parada

Um tempo de parada em relação a uma sequência de variáveis aleatórias X1,X2,X3,... é uma variável aleatória τ com a propriedade de que para cada t, a ocorrência ou a não ocorrência do evento τ=t depende apenas dos valores de X1,X2,X3,...,Xt. A intuição por trás da definição é que, a qualquer tempo particular t, pode-se observar a sequência até o momento e dizer se é hora de parar. Um exemplo na vida real pode ser o tempo em que um apostador deixa a mesa de apostas, o que pode ser uma função de suas vitórias anteriores (por exemplo, ele pode deixar a mesa apenas quando ele vai à falência), mas ele não pode escolher entre ficar ou sair com base no resultando de jogos que ainda não ocorreram.[16]

Em alguns contextos, o conceito de tempo de parada é definido exigindo-se apenas que a ocorrência ou não ocorrência do evento τ=t seja probabilisticamente independente de Xt+1,Xt+2,..., mas não que isto seja completamente determinado pelo histórico do processo até o tempo t. Isto é uma condição mais fraca do que aquela descrita no parágrafo acima, mas é forte o bastante para servir em algumas das provas em que tempos de parada são usados.

Uma das propriedades básicas de martingales é que, se (Xt)t>0 for um (sub/super)martingale e τ for um tempo de parada, então, o processo parado correspondente (Xtτ)t>0 definido por Xtτ:=Xmin{τ,t} é também um (sub/super) martingale.

O conceito de um martingale parado leva a uma série de teoremas importantes, incluindo, por exemplo, o teorema da parada opcional, que afirma que, sob certas condições, o valor esperado de um martingale em um tempo de parada é igual ao seu valor inicial.

Ver também

References

Predefinição:Reflist

Predefinição:Processos estocásticos